
Ela não é perfeita.
Nem tenta ser.
Ela não se encaixa no molde da mãe exemplar, da filha ideal, da parceira que diz “sim” e concorda com tudo.
Ela já tentou!
Tentou caber. Tentou se conter. Tentou agradar.
Tentou amar os outros mais do que a si mesma.
Tentou silenciar o chamado.
Falhou.
Porque quando uma mulher é escolhida pelo despertar — ela não consegue mais fingir que não sente.
Ela sente tudo.
O grito que ninguém escuta.
O silêncio que ninguém aguenta.
A dor coletiva, o peso ancestral, a urgência de curar o que foi escondido por gerações.
Ela sente o choro das mulheres que ainda se calam.
Ela sente o gozo que foi roubado de corpos inteiros.
Ela sente o cansaço de manter máscaras.
Ela sente a força que pulsa entre as pernas e pede pra renascer.
Ela escolheu? Ou foi escolhida?
Mas uma vez que entrou, não teve mais volta.
Essa mulher não vive na superfície.
Ela mergulha.
Ela mergulha nas próprias sombras, na raiva, no sangue seco das memórias.
Ela olha para suas feridas e não finge que estão cicatrizadas.
Ela volta pra caverna, pra carne, pro ventre, para ouvir o que ninguém quer ouvir.
Ela virou ponte.
Ela virou oráculo.
Ela virou abrigo para outras mulheres que também sentem que não dá mais pra viver uma vida morna, uma sexualidade engessada, uma feminilidade domesticada.
Ela não quer mais isso.
E não quer que você queira também.
Mas isso cobra um preço.
Ela nem sempre consegue estar presente.
Às vezes some. Às vezes cansa.
Às vezes desaponta os que mais ama.
Porque ela está ocupada ouvindo mensagens que só se captam com o corpo vibrando, gozando com alma,
com o coração aberto,
com os pés na terra e o útero acordado.
Ela não está nos lugares em que se esperava que ela estivesse.
Porque está em outro lugar.
Na entrelinha. No submundo. No sagrado.
Ela virou fogo.
Virou cura.
Virou canal.
Ela não tem tempo para seguir roteiro.
Enquanto o mundo corre, ela silencia.
Enquanto todos correm para produzir, ela para para sentir.
Enquanto todos falam, ela sente as palabras.
E quando fala, não é ela quem fala.
É uma voz mais antiga, mais funda, mais selvagem.
Ela não guia com fórmulas.
Ela guia com verdade.
Ela acolhe com presença.
Ela mostra o caminho porque ela já caiu, já se perdeu, já renasceu.
Ela é a mulher que escolheu ouvir o que o mundo ignora.
E dedicar sua vida a acordar as que ainda dormem.
Essa mulher é um lembrete.
De que é possível ser imperfeita e poderosa.
Forte e sensível.
Desconstruída e cheia de fé.
Errante e sagrada.
Ela não quer ser adorada.
Quer ser livre.
E quer que você seja também.
Ela já entendeu:
Não precisa ser a melhor em tudo.
Ela só precisa ser fiel ao que arde dentro dela.
Porque é ali — na chama do propósito — que ela vive.
Mesmo que doa.
Mesmo que canse.
Mesmo que pareça solitário.
Ela está a serviço.
E isso basta.