
Há uma gratidão silenciosa e imensa que pulsa dentro de mim.
Uma gratidão que não cabe nas palavras comuns, porque não é fruto de algo que se possa medir ou explicar… é fruto de um sentir profundo, antigo, visceral.
Uma gratidão que nasceu do meu ventre, que me atravessa como rio e me molda como barro sagrado nas mãos da Grande Mãe.
Sou grata porque fui escolhida — não pelo ego, mas pela alma — a escutar o sussurro ancestral das dores femininas que ecoam em silêncio há gerações.
Fui moldada para sentir o que muitas não conseguem ainda nomear.
Fui chamada a ser ponte entre a ferida e a flor.
E por isso, carrego dentro de mim uma sensibilidade que muitas vezes pesa… mas que também é meu dom mais precioso.
Sentir a dor de cada mulher que passa por mim não é leve.
É tocar feridas abertas, histórias de opressão, de castração, de silenciamento, de violação do prazer e da alma.
É olhar nos olhos daquelas que foram ensinadas a ter vergonha do próprio corpo, medo da própria voz, culpa por desejar, por ser, por florescer.
É reconhecer nelas a mim mesma — e reconhecer em mim todas elas.
Essa sensibilidade não é fraqueza.
É oráculo. É visão.
É a linguagem do útero, que não mente, que não julga, que apenas pulsa e transmite. E com ela, aprendi a ser canal.
Aprendi a ser presença, espelho, colo, tambor.
Aprendi a receber as lágrimas como oferendas e devolver às mulheres aquilo que sempre foi delas: o direito de brilhar.
Sim… fui forjada para a travessia.
Sou uma mulher que caminha ao lado de outras mulheres nos ritos de passagem invisíveis que as devolvem à própria essência.
Sou parteira de almas, facilitadora de retornos, guardiã de um templo que pulsa mesmo sem paredes.
Quando uma mulher se deita em frente a mim com o corpo exausto e o coração fragmentado, eu vejo o que ainda está vivo nela.
E com amor, com presença, com firmeza e doçura, eu convido esse feminino adormecido a acordar.
Essa é a minha missão.
Não escolhida com a mente, mas aceita com a alma.
E é por isso que a minha gratidão não está só no que faço, mas no que recebo a cada encontro, a cada lágrima transformada em luz, a cada mulher que se levanta diferente depois de atravessar os portais comigo.
A cada cura que passa por mim, também sou curada. A cada despertar, também me lembro de quem sou.
A cada útero que se abre para o prazer, para a verdade, para o sagrado, eu também sou fecundada com esperança.
Mas eu não caminho só.
Meu coração transborda em gratidão pelas parceiras de alma que escolheram caminhar comigo nessa jornada de resgate.
Mulheres que, como eu, não se contentaram em sobreviver dentro das prisões invisíveis que nos foram impostas.
Mulheres que ouviram o chamado do tambor e atenderam. Mulheres que escolheram não competir, mas se unir.
Que não buscam brilhar sozinhas, mas acender fogueiras que iluminem o caminho de todas.
Minhas irmãs de missão. Minhas aliadas do ventre. Minhas companheiras de cura.
Juntas, estamos tecendo algo que vai além de nós. Estamos construindo um legado. Um caminho de volta à essência.
Uma trilha onde a liberdade não é slogan, mas respiração.
Onde o prazer não é tabu, mas portal.
Onde o corpo não é objeto, mas templo.
Onde o feminino não é fragilidade, mas força que nutre, que cria, que transforma o mundo.
Vocês me sustentam com sua presença, sua entrega, sua confiança, sua beleza. Vocês me recordam todos os dias que esse chamado não é em vão.
Que cada gesto, cada roda, cada ritual, cada palavra compartilhada importa.
Que estamos devolvendo à Terra o que ela nos confiou: a sabedoria do matriarcado, o pulsar do amor selvagem, o poder de transformar a dor em medicina.
Gratidão às minhas parceiras por fazerem desse caminho algo real, potente, vibrante.
Gratidão a cada mulher que confia, que se entrega, que permite que eu a veja — para que ela mesma possa se ver.
Gratidão à minha sensibilidade, que já quis esconder, silenciar e anestesiar, mas que hoje reconheço como a tocha que me guia.
Gratidão à dor que me ensinou a escutar.
Gratidão à luz que me mostrou como transformar.
Gratidão à Deusa, que em cada uma de nós se lembra, se ergue, se manifesta.
Hoje, mais do que nunca, sei: ser mulher é também ser altar.
É sentir o mundo, parir visões, sustentar campos invisíveis com as mãos que acariciam e curam.
É viver de forma tão verdadeira que nenhuma máscara resiste, nenhum véu permanece.
E é por isso que sigo.
Não pela promessa de glória, mas pela verdade de uma vida que faz sentido.
Sigo por cada mulher que ainda caminha na escuridão e precisa de um feixe de luz para lembrar que pode voltar para casa — dentro de si.
Sigo por mim, por nós, por todas.
E cada passo é uma prece.
Cada palavra, um sopro de cura.
Cada abraço, uma revolução silenciosa.
Seguimos. Juntas. Com o coração em brasas e os pés na Terra.
Pois esse é o tempo do retorno da Deusa.
E nós somos sacerdotisas.